Textos adaptados por Diogenes Junior, das fontes de Shirley Silvério e Surrealista
O filme “Que horas ela volta?” (2015), que conta a história cirurgicamente verossímil da vida de uma empregada doméstica e sua filha na casa de uma família de classe média, emocionou o público brasileiro e ajudou a dar destaque a uma relação tão trivial e, ao mesmo tempo, tão anacrônica. O assunto ainda está longe de se esgotar, e ganhou outro capítulo no Facebook. Foram criadas a página Eu Empregada Doméstica e a tag#EuEmpregadaDomestica.
O que seria apenas uma manifestação de pessoas que já passaram por situações humilhantes tendo esse tipo de emprego, acabou virando uma troca de argumentos com pessoas que defendem que o trabalho doméstico é apenas mais um emprego, e de pessoas que argumentam que o trabalho domestico é herança da escravidão já que alguns costumes e regras desse oficio são para discriminar as pessoas.
O relato que mais tem repercutido nas redes é o seguinte:
Tamanha foi a repercussão da postagem, que aparentemente a família onde “Joyce” trabalhou, entrou em contato pedindo explicações:
Independente de fazermos um juízo de valor sobre o ocorrido acima, é fato que essa classe de trabalho passa por situações constrangedoras no dia a dia, incluindo o uso de uniformes, assédios sexuais e morais, além da clara intenção de deixar claro que a pessoa é um “serviçal” da casa:
Para aqueles que são contra esse tipo de manifestação em prol de melhores condições e até mesmo respeito sobre empregas domésticas, usam argumentos como “ninguém te obrigou a trabalhar nisso”, “é um emprego como outro qualquer”, e que o uso de uniformes não é uma forma de discriminação.
Porém, será que essas coisas são realmente verdade? Quem será tem razão nessa questão? (Se é que isso é uma discussão sobre “dois lados”):
Não, nós não escolhemos o trabalho doméstico.
Antes de falar propriamente do trabalho doméstico, gostaria de fazer um panorama histórico.
O trabalho doméstico teve sua origem na escravidão, mulheres negras ocupavam cargos de cozinheira, mucama, ama de leite, costureira, etc. O ato de servir era visto como uma desonra, algo subalterno. Trabalhavam como serviçais em troca de comida e teto.
O Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados, cerca de 12,5 milhões de africanos foram seqüestrados da África como escravos, 2,5 milhões morreram nas viagens, quase 6 milhões de africanos desembarcaram no Brasil, quase 60% dos africanos foram trazidos para o nosso país, ficou fácil entender como o racismo aqui é mais cruel? Não? Desenhando!
“É UM EMPREGO COMO OUTRO QUALQUER”
Servir, lavar banheiro, cuidar de crianças (que não sejam seus), tem carga histórica, são atividades que remontam ao período da escravidão. Escravidão que durou mais de 300 anos em nosso país. Não é à toa, que a atividade domestica é exercida em sua maioria por mulheres negras e que estas recebem os piores salários, e tem condições precárias de trabalho. São trabalhadoras que deixam de cuidar de seus filhos para cuidar dos filhos dos patrões. Não tem horário de trabalho definido, algumas têm que dormir no emprego e abdicar de sua própria família.
“FUNCIONÁRIOS USAM UNIFORMES, NÃO É VERGONHA PRA NINGUÉM”
Funcionários de empresas utilizam uniformes como forma de identificação e para promover a empresa. Babás usam uniforme para se “distinguir”.
Depoimento de Silvana Félix, Ex-Babá em entrevista para BBC BRASIL
“O uniforme deixa claro que você é serviçal. Serviçal é serviçal. Patrão é patrão. A roupa nos marca. É a mesma coisa no shopping. As patroas gostam de desfilar no shopping com a babá. Elas estão pagando por isso e dá status. Não fica bem diante das amigas desfilar com a babá com roupa normal. Já trabalhei para patroa de 20 e poucos anos que exigia que a chamasse de dona ou senhora. Era muito estranho chamar alguém tão mais novo desta forma.”
A discussão sobre trabalho doméstico tem que passar por três esferas, gênero, raça e classe. Entendendo que esse trabalho atinge diretamente, mulheres que são em sua maioria negras e pobres.
Não estamos com isso dizendo que o trabalho doméstico não é digno, apenas precisamos entender a carga histórica que essa função carrega. Afinal, nenhuma criança sonha em ser empregada doméstica quando crescer.
Shirley Carvalho
Temos também, os argumentos que dizem que o movimento está cobrando “mais do que deveria ter direito”:
E para você qual é a sua opinião?
Será que um oficio — e as suas regras — estão acima da dignidade humana?