“Eis que Tu, Buscador, recebes aqui a pura inspiração,
Faze o que tu queres, há de ser o todo da lei;
Que tua vontade primeva seja regada,
e na luz superior, cresça.”
Esta carta é atribuída à letra Aleph, que significa boi, embora por sua forma a letra hebraica (assim é dito) represente uma relha de arado, de modo que a significação é primordialmente fálica. É a primeira das letras-mãe, Aleph, Mem e Shin que correspondem, de várias maneiras entrelaçadas, a todas as tríades que ocorrem nestas cartas, notadamente fogo, água e ar; Pai, Mãe e Filho; enxofre, sal e mercúrio; Rajas, Sattvas e Tamas.
* Note-se que o inglês Fool deriva de follis, saco de vento, de sorte que até a etimologia concede a atribuição ao ar. Além disso, inflar as bochechas é um gesto que sugere estar pronto para criar, na linguagem de sinais de Nápoles. Pior, alguns guardiões ingleses da democracia imputam loucura aos outros pelo Razzberry.
O traço realmente importante dessa carta é que seu número deve ser 0. Representa, portanto, o negativo acima da Árvore da Vida, a fonte de todas as coisas. É o zero qabalístico. É a equação do universo, o equilíbrio inicial e final dos opostos; o ar, nessa carta, por conseguinte, significa quintessencialmente o vácuo.
No baralho medieval, o título da carta é Le Mat, adaptação do italiano Matto, que significa louco ou tolo; a propriedade desse título será considerada na seqüência deste ensaio. Mas há uma outra, ou melhor (poder-se-ia dizer), uma teoria complementar. Se supusermos que o Tarô é de origem egípcia, será possível conjeturar que Mat (esta carta sendo a carta-chave do baralho inteiro) representa Maut, a deusa-abutre, que é uma modificação mais antiga e mais sublime da idéia de Nuit do que Ísis.
Há duas lendas ligadas ao abutre. Supõe-se que ele possua um pescoço em espiral, o que possivelmente se refere à teoria (recentemente ressuscitada por Einstein, mas mencionada por Zoroastro em seus Oráculos) de que a forma do universo, a forma daquela energia que é chamada de universo, é espiral. Na outra lenda supõe-se que o abutre reproduza sua espécie mediante a intervenção do vento; em outras palavras, o elemento ar é considerado como o pai de toda a existência manifestada. Existe um paralelo disso na filosofia grega, na escola de Anaxímenes.
Essa carta é, portanto, tanto o pai, quanto a mãe, sob a forma mais abstrata destas idéias. Não se trata de uma confusão, mas sim de uma identificação deliberada do macho e da fêmea, o que é justificado pela biologia. O óvulo fertilizado é sexualmente neutro. É apenas um elemento determinante que no curso do desenvolvimento que define o sexo.
É necessário se aclimatar com isso, que é, à primeira vista, uma estranha idéia. Logo que se tenha decidido a considerar o aspecto feminino das coisas, o elemento masculino deve surgir imediatamente, no mesmo lampejo de pensamento, para contrabalançá-lo. Esta identificação é completa em si, filosoficamente falando. Será somente mais tarde que se considerará a questão do resultado da formulação do zero como mais 1 mais menos 1. O resultado de fazer-se deste modo faz surgir a idéia do Tetragrammaton.
A FÓRMULA DO TETRAGRAMMATON
Foi explicado neste ensaio que todo o Tarô é baseado na Árvore da Vida e que a Árvore da Vida é sempre cognata ao Tetragrammaton. Pode-se sintetizar a doutrina inteira muito resumidamente como se segue.
A união do Pai e da Mãe produz gêmeos, o filho avançando para a filha, a filha devolvendo a energia ao pai. Através deste ciclo de mudança são asseguradas a estabilidade e a eternidade do universo.
A fim de compreender o Tarô, faz-se mister voltar na história até a era matriarcal (e exogâmica), na qual a sucessão não se dava através do filho primogênito do rei, mas sim através de sua filha. O rei não era, portanto, rei por herança, mas por direito de conquista. Nas dinastias mais estáveis, o novo rei era sempre um estranho, um estrangeiro; e mais, ele tinha que matar o velho rei e casar com a filha deste rei. Este sistema garantiu a virilidade e capacidade de todo rei. O estranho precisava conquistar sua noiva numa competição aberta. Nos antigos contos de fadas, este motivo é continuamente reiterado. O ambicioso estranho é geralmente um troubadour, quase sempre disfarçado, com freqüência sob forma repulsiva. A Bela e a Fera é um conto típico. Há, usualmente, uma camuflagem correspondente por parte da filha do rei, como no caso de Cinderela e da Princesa Encantada. A narrativa de Aladin proporciona o todo desta fábula sob uma forma muito elaborada, acondicionada com contos técnicos de magia. Eis aqui o fundamento da lenda do Príncipe Errante — e, note bem, ele é sempre “o louco da família”. A conexão entre loucura e santidade é tradicional. Não se trata de zombaria quando se decide que o parvo da família vá para a igreja. No Oriente, acredita-se que o louco seja possuído, um homem santo ou profeta. Esta identidade é tão profunda que está realmente embutida na linguagem. Silly [tolo, estúpido, ingênue, em Inglês — NT] significa vazio — o vácuo do ar — zero, “os baldes vazios no convés”. E a palavra deriva do alemão selig, santo, abençoado. É a inocência do Louco o que o caracteriza mais intensamente. Ver-se-á na seqüência quão importante é este aspecto da história. Para assegurar a sucessão, concebia-se, portanto: primeiro, que o sangue real devesse ser efetivamente o sangue real, e segundo, que este procedimento fosse fortalecido pela introdução do estranho conquistador, em lugar de ser atenuado pela procriação consangüínea.
Em certos casos, exagerava-se com esta teoria. Havia provavelmente muita tramóia a respeito desse príncipe sob disfarce. É possível que o rei, seu pai, lhe fornecesse cartas de apresentação bastante secretas; em suma, que o velho jogo político já fosse velho até naquelas épocas remotas.
Tal costume, assim, evoluiu para a condição bem investigada por Frazer em A Rama Dourada (esta rama sendo, sem dúvida, um símbolo da própria filha do rei). “A filha do rei é toda gloriosa interiormente; seu traje é de ouro lavrado.”
Como teria ocorrido tal evolução ?
Pode ter havido uma reação contra o jogo político. Pode ter havido uma glorificação, antes de tudo do “fidalgo-assaltante”, finalmente do mero chefe de quadrilha, mais ou menos como temos visto, no nosso próprio tempo, na reação contra o vitorianismo. As credenciais do “príncipe errante” foram meticulosamente examinadas; a não ser que fosse um criminoso fugitivo, não podia ser escolhido para a competição; tampouco era suficiente para ele conquistar a filha do rei numa competição aberta, viver no regaço do luxo até que o velho rei morresse e sucedê-lo pacificamente. Era forçado a assassinar o velho rei com suas próprias mãos.
À primeira vista, pareceria que a fórmula é a união do extremamente masculino, a grande fera loura, com o extremamente feminino, a princesa que não conseguia dormir se houvesse uma ervilha sob seus sete leitos de penas. Mas todo este simbolismo derrota a si mesmo. O macio se torna o duro, o áspero se torna o liso. Quanto mais se sonda a fórmula, mais a identificação dos opostos se torna estreita. A pomba é a ave de Vênus, mas também é um símbolo do Espírito Santo, ou seja, do falo, sob sua forma mais sublimada. Não há, portanto, qualquer razão para surpreender-se com a identificação do pai com a mãe.
Naturalmente, quando idéias tão sublimes se tornam vulgarizadas, deixam de exibir o símbolo com lucidez. O grande hierofante, frente a um símbolo inteiramente ambíguo, é obrigado, exatamente devido ao seu cargo de hierofante, ou seja, daquele que manifesta o mistério, a “rebaixar a mensagem para o cão”. Tem que fazer isto exibindo um símbolo da segunda ordem, um símbolo que se ajuste à inteligência da segunda ordem de iniciados. Este símbolo, em lugar de ser universal, ultrapassando assim a expressão ordinária, precisa ser adaptado à capacidade intelectual de um conjunto particular de pessoas, as quais ao hierofante compete iniciar. Uma tal verdade, conseqüentemente, aparece para o vulgo como fábula, parábola, lenda e mesmo credo.
No caso deste símbolo muito abrangente de O Louco, há no âmbito do conhecimento real, diversas tradições, completamente distintas, de grande clareza e, historicamente, de grande importância.
Essas tradições devem ser examinadas em separado, de maneira que se possa compreender a doutrina única da qual todas brotaram.
O “Homem verde” do festival da primavera. “ O bobo de primeiro de abril.” O Espírito Santo.
Esta tradição representa a idéia original adaptada à compreensão do camponês médio. O Homem Verde é uma personificação da influência misteriosa que produz os fenômenos da primavera. É difícil dizer porque tem de ser assim, mas é assim: há uma conexão com as idéias de irresponsabilidade, de desregramento, de idealização, de romance, de devaneio radiante.
O Louco se agita dentro de todos nós no retorno da primavera; e, por estarmos um tanto desnorteados, um tanto constrangidos, pensou-se ser salutar o costume de se exteriorizar o impulso subconsciente mediante recursos cerimoniais. Era uma forma de facilitar a confissão. Relativamente a todos esses festivais, pode-se dizer que são representações sob a forma mais simples, sem introspecção, de um fenômeno perfeitamente natural. Deve-se observar, em particular, o costume do ovo de páscoa e do poisson d’avril [O Peixe do Salvador é abordado em outra parte deste ensaio. A precessão dos equinócios fez a primavera começar com a entrada do Sol em Áries (O Carneiro) em lugar de Pisces (Peixes), como foi o caso nas épocas mais primitivas].
O “Grande Louco” dos celtas (Dalua)
Constata-se aqui um considerável avanço em relação aos fenômenos puramente naturais descritos logo acima. No Grande Louco existe uma doutrina definida. O mundo está sempre procurando um salvador, e a doutrina em pauta é filosoficamente mais do que uma doutrina: é um simples fato. A salvação, seja lá o que possa isto significar, não é para ser obtida mediante quaisquer termos razoáveis. Razão é um impasse, razão é danação; só a loucura, loucura divina, oferece uma saída. A lei do Ministro da Justiça não servirá; o legislador pode ser um condutor epilético de camelos como Maomé, um filho da fortuna provinciano e megalomaníaco como Napoleão, ou mesmo um exilado, três partes sábio, uma parte maluco, um morador de sótão em Soho, como Karl Marx. Há somente uma coisa em comum entre essas pessoas: são todas loucas, quer dizer, inspiradas. Quase todos os povos primitivos possuem essa tradição, ao menos sob forma diluída. Respeitam o lunático errante, pois pode ser que ele seja o mensageiro do Altíssimo. “Este estrangeiro esquisito ? Vamos tratá-lo bondosamente. Talvez estejamos lidando com um anjo sem o saber ”.
Estreitamente vinculada a essa idéia, está a questão da paternidade. Necessita-se de um salvador. O que se requer com certeza nas suas qualificações ? Que não seja um homem comum (nos Evangelhos, as pessoas sofismavam em torno da afirmação de que Jesus era o Messias porque vinha de Nazaré, uma cidade perfeitamente conhecida, porque conheciam sua mãe e sua família; em síntese, argumentavam que ele não possuía qualificações para candidato a salvador). O salvador tem que ser uma pessoa peculiarmente sagrada; dificilmente se acredita que ele seja efetivamente um ser humano. No mínimo, sua mãe precisa ser uma virgem e, para se combinar a esta maravilha, seu pai não pode ser um homem ordinário; portanto, seu pai tem que ser um deus. Mas, como um deus é um vertebrado gasoso, urge que ele seja alguma materialização de um deus. Ótimo! Que ele seja o deus Marte, sob a forma de um lobo; ou Júpiter, como um touro, ou uma chuva de ouro, ou um cisne; ou Jeová, sob a forma de uma pomba; ou alguma outra criatura fantástica, de preferência disfarçado sob alguma forma animal. Há inúmeras formas dessa tradição, mas todas concordam em um ponto: o salvador só pode aparecer como o resultado de algum acidente extraordinário, absolutamente contrário a tudo que seja normal. A mais ínfima sugestão de alguma coisa razoável nesta matéria destruiria o argumento todo. Mas como é preciso contar com alguma figura concreta, a solução geral é representar o salvador como o Louco (tentativas no sentido de atingir esta condição aparecem na Bíblia; observe-se a “capa multicolorida” de José e de Jesus; é o bufão * que livra seu povo da escravidão).
* Chame-o de Arlequim e um Tetragrammaton evidentemente bufoneando a Sagrada Família salta à vista: Pantaleão, o idoso “antique-antic”; palhaço e arlequim, dois aspectos do Louco, e Columbina, a virgem. Mas, ao ser burlesca, a tradição se torna confusa e o significado profundo é perdido, tal como ocorreu com a peça de mistério medieval de Pôncio e Judas, que se tornou uma farsa, com variantes tópicas oportunistas, Polichinelo e Judy.
Na seqüência se verá como esta idéia está ligada àquela do mistério da paternidade, e também da iridescência do mercúrio alquímico em um dos estágios da Grande Obra.
O “Rico Pescador”: Percival
A lenda de Percival, que integra o mistério do Deus-Peixe Salvador e do Sangraal, ou Cálice Sagrado, tem origem controvertida. Aparece, certamente, em primeiro lugar, na Bretanha, a terra mais amada da magia, a terra de Merlin, dos druidas, da floresta de Broceliande. Alguns eruditos supõem que a forma galesa desta tradição, que empresta muito de sua importância e sua beleza ao ciclo do rei Artur, é ainda mais antiga. Isto não tem relevância aqui, mas é vital compreender-se que a lenda, como aquela d’O Louco, é puramente pagã originalmente e chega a nós através de recensões latino-cristãs: não há nenhum traço de quaisquer de tais matérias nas mitologias nórdicas (Percival e Galahad eram “inocentes”: esta é uma condição da guarda do Cálice). Note-se, ademais, que Monsalvat, montanha da salvação, lar do Graal (Cálice), a fortaleza dos cavaleiros guardiões, fica nos Pirineus.
Convém, aqui, introduzir a figura de Parsifal, porque ele representa a forma ocidental da tradição do Louco e porque sua lenda foi altamente elaborada por iniciados eruditos (a encenação dramática do Parsifal, de Wagner, foi arranjada pelo então chefe da O. T. O.).
Parsifal, em sua primeira fase é Der reine Tor, O Louco Puro. Seu primeiro ato é atirar no cisne sagrado. É o desregramento da inocência. No segundo ato, é a mesma qualidade que o capacita a resistir aos agrados das damas no jardim de Kundry. Klingsor, o mago mau, que pensava em preencher as condições da vida pela auto-mutilação, vendo seu império ameaçado, arremessa a lança sagrada (que havia furtado da Montanha da Salvação) em Parsifal, mas esta se mantém suspensa sobre a cabeça do menino. Parsifal a agarra; em outras palavras, atinge a puberdade (esta transformação será vista nas outras fábulas simbólicas na seqüência).
No terceiro ato, a inocência de Parsifal amadureceu em santificação; ele é o sacerdote iniciado cuja função é criar. É Sexta-Feira Santa, o dia das trevas e da morte. Onde buscará ele sua salvação ? Onde é Monsalvat, a montanha da salvação, que ele buscou por tanto tempo em vão ? Ele venera a lança: imediatamente, o caminho, há tanto tempo fechado para ele, está aberto; o cenário muda rapidamente, não havendo necessidade para que ele se mova. Ele chegou ao Templo do Graal. Toda religião cerimonial verdadeira deve ser solar e fálica em caráter. É o ferimento de Amfortas que removeu a virtude do templo (Amfortas é o símbolo do deus que morre).
Conseqüentemente, a fim de redimir toda a situação, destruir a morte, reconsagrar o templo, basta-lhe mergulhar a lança no Cálice Sagrado. Ele redime não só Kundry, mas a si mesmo (esta era, então, uma doutrina somente apreciável em sua plenitude pelos membros do Santuário Soberano da Gnosis do Nono Grau da O. T. O.).
O Crocodilo (Mako, filho de Set, ou Sebek)
A mesma doutrina de máxima inocência evoluindo para máxima fertilidade é encontrada no antigo Egito no simbolismo do deus-crocodilo, Sebek. A tradição diz que o crocodilo era desprovido do meio de perpetuar sua espécie (comparar com o que foi mencionado anteriormente sobre o abutre Maut). Não a despeito disto, mas devido a isto, ele era o símbolo da energia criativa máxima (Freud, como se verá mais tarde, explica esta aparente antítese).
Mais uma vez, o reino animal é invocado para desempenhar a função de gerar o redentor. Às margens do Eufrates os homens veneravam Oannes, ou Dagon, o deus-peixe. O peixe na qualidade de símbolo de paternidade, de maternidade, de perpetuação da vida geralmente, se reitera constantemente. A letra Nun (correspondente ao N e que em hebraico significa peixe) é um dos hieróglifos originais que representa essa idéia, aparentemente por causa das reações mentais estimuladas na mente pela contínua repetição dessa letra. Há, assim, diversos deuses, deusas e heróis epônimos cujas lendas são funções da letra N (com referência a esta letra, ver o Atu XIII). Está ligada ao norte e, assim, com os céus estrelados em torno da Estrela Polar; também com o vento do norte, e a referência é com os signos da água. Daí estar presente a letra Nun (N) nas lendas do dilúvio e dos deuses-peixes. Na mitologia hebraica, o herói pertinente é Noé. Note-se, inclusive, que o símbolo do peixe foi escolhido para representar o redentor ou falo, o deus cuja virtude faz o homem atravessar as águas da morte. O nome vulgar deste deus ao sul da Itália atualmente, e alhures, é pesce. E assim, também, sua contraparte feminina, kteis, é representada pela Vesica Piscis, a bexiga do peixe, e sua forma é continuamente exibida em muitas janelas de igrejas e no anel episcopal. *
* “ ICQUS, que significa peixe e,
Muito adequadamente, simboliza Cristo.”
O Anel e o Livro
A palavra é um Notariqon de Iesous Christos Theou Huios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).
Na mitologia de Yucutan eram os “antigos cobertos de penas que emergiam do mar “. Alguns viram nesta tradição uma referência ao fato de o homem ser um animal marinho; nosso aparelho respiratório ainda possui guelras atrofiadas.
Hoor-Pa-Kraat **
** O Louco é, também, obviamente, um aspecto de Pã, mas esta idéia é mostrada em seu desenvolvimento mais pleno pelo Atu XV, cuja letra é a semivogal Ayin, cognata de Aleph.
Ao atingir-se a teogonia altamente sofisticada, aparecerá um símbolo perfeitamente claro e concreto desta doutrina. Harpócrates é o deus do Silêncio, e este silêncio possui um significado muito especial (ver ensaio anexo, apêndice). O primeiro é Kether, o ser puro, inventado como um aspecto do nada puro. Em sua manifestação, ele não é um, mas dois; ele só é apenas um porque é 0. Ele existe; Eheieh, seu nome divino, que significa Eu sou ou Eu serei, é meramente uma outra maneira de dizer que ele Não É, porque o um não conduz a lugar algum, que é de onde ele veio. Assim a única manifestação possível é em dois, e esta manifestação tem que ser em silêncio, porque o número 3, o número de Binah, Compreensão, não foi ainda formulado. Em outras palavras, não há Mãe. Tudo que se tem é o impulso dessa manifestação e este tem que ocorrer em silêncio, quer dizer, há, até agora, não mais que o impulso, que é não formulado; é somente quando ele é interpretado que se torna a Palavra, o Logos (ver Atu I ).
Agora, que se considere a forma tradicional de Harpócrates. Ele é um bebê, isto é, inocente, e ainda sem atingir a puberdade; uma forma mais simples de Parsifal, ele é representado na cor rosa-cravo (rosa clara). É a aurora, a insinuação da luz prestes a chegar, mas de modo algum esta luz; ele tem uma mecha de cabelos negros encaracolados pela sua orelha, e esta é a influência do Altíssimo descendo sobre o chakra Brahmarandra. O ouvido é o veículo de Akasha, o Espírito. Este é o único símbolo que sobressai, é a única indicação de que ele não é meramente o bebê calvo, porque é a única cor na bolha de rosa-cravo. Mas na outra mão, seu dedo polegar está, ou contra seu lábio inferior, ou em sua boca, o que é não se pode dizer. Há aqui uma disputa entre duas escolas; se ele está pressionando seu lábio inferior, enfatiza o silêncio como silêncio, se seu polegar está na boca, enfatiza a doutrina de Eheieh: Eu serei. De qualquer modo, no fim estas doutrinas são idênticas.
Este bebê está num ovo azul, que é evidentemente o símbolo da Mãe. Esta criança, de uma certa maneira, não nasceu; o azul é o azul do espaço; o ovo está assentado sobre um lótus, e este lótus cresce no Nilo, sendo um outro símbolo da Mãe, e o Nilo é também um símbolo do Pai fertilizando o Egito, Yoni ( mas, também, o Nilo é o lar de Sebek, o crocodilo, o qual ameaça Harpócrates).
Todavia, Harpócrates nem sempre é representado assim. Ele é mostrado por algumas escolas em pé; acha-se em pé sobre os crocodilos do Nilo (referência ao crocodilo de que se falou logo anteriormente, o símbolo de duas coisas exatamente opostas). Há, aqui, uma analogia. Um lembra Hércules — o Hércules menino — que fiava na roca da Casa das Mulheres, o outro lembra Hércules já homem forte, que era inocente, que foi, por fim, um louco que destruiu sua esposa e os filhos. É um símbolo cognato.
Harpócrates é (num certo sentido) o símbolo da aurora no Nilo e do fenômeno fisiológico que acompanha o ato do despertar. Percebe-se na outra extremidade da oitava do pensamento a conexão desse símbolo com a sucessão ao poder real descrita anteriormente. O símbolo de Harpócrates ele mesmo tende a ser puramente filosófico. Harpócrates é também a absorção mística da obra da criação, a Hé final do Tetragrammaton. Harpócrates é, na verdade, o lado passivo de seu gêmeo, Hórus. E contudo, ao mesmo tempo, é um símbolo “de emplumamento completo para voar” dessa idéia, que é o vento, que é o ar, a impregnação da Deusa-Mãe. É imune a todo ataque devido a sua inocência pois nesta inocência está o silêncio perfeito, o qual é a essência da virilidade.
O ovo não é tão-somente Akasha *, mas também o ovo original no sentido biológico. Este ovo brota do lótus, que é símbolo do yoni.
* O ovo negro do elemento espírito em algumas escolas hindus. Dele procedem os outros elementos, ar, água, terra e fogo (nesta ordem).
Há um símbolo asiático cognato de Harpócrates e embora não se refira diretamente a esta carta, precisa ser considerado em conexão com ela. Trata-se do Buddha-Rupa. Ele é representado com mais freqüência sentado sobre um lótus, e geralmente há atrás dele desdobrado o capelo da serpente. A forma deste capelo é, mais uma vez, o yoni (note-se os usuais ornamentos deste capelo, fálico e frutiforme).
O crocodilo do Nilo é chamado de Sebek ou Mako, o Devorador. Nos rituais oficiais, a idéia é geralmente aquela do pescador, que deseja proteção dos assaltos de seu animal-tótem.
Há, contudo, uma identidade entre o criador e o destruidor. Na mitologia indiana, Shiva desempenha as duas funções. Na mitologia grega, dirige-se ao deus Pã como Pamphage, Pangenetor, o devorador de tudo, o gerador de tudo (note-se que o valor numérico da palavra Pan é 131, como o é o de Samael, o anjo destruidor hebraico).
Além disso, no simbolismo dos iniciados, o ato de devorar é o equivalente à iniciação, como o místico diria “Minha alma é tragada em Deus” (compare com o simbolismo de Noé e a Arca, Jonas * e a baleia, e outros).
* Note-se o N de Jonas e o significado do nome: pomba.
É preciso ter sempre em mente a bivalência de todo símbolo. Insistir em uma ou outra das atribuições contraditórias inerentes a um símbolo é simplesmente uma marca de incapacidade espiritual e isto acontece ininterruptamente devido ao preconceito. Constitui o mais simples teste de iniciação que todo símbolo seja compreendido instintivamente como contendo esse significado contraditório em si mesmo. Marque bem a passagem seguinte em The Vision and the Voice, ** pg. …):
** A Visão e a Voz (NT).
“É mostrado a mim que este coração é o coração que se regozija, e a serpente é a serpente de Da’ath, pois aqui todos os símbolos são intercambiáveis, pois cada um contém em si mesmo seu próprio oposto. E este é o grande Mistério dos Superiores que estão além do Abismo, pois abaixo do Abismo contradição é divisão, mas acima do Abismo, contradição é Unidade. E não poderia haver nada verdadeiro exceto por virtude da contradição que está contida em si mesma.”
Constitui característica de toda visão espiritual elevada a formulação de qualquer idéia ser imediatamente destruída ou cancelada pelo surgimento da contraditória. Hegel e Nietzsche tiveram lampejos desta idéia, mas ela é descrita de maneira completa e simples em The Book of Wisdom or Folly*** (ver citação na seqüência, apêndice).
*** O Livro de Sabedoria ou Loucura (NT).
Esse ponto em torno do crocodilo é de grande importância porque muitas das formas tradicionais de O Louco do Tarô mostram decididamente o crocodilo. Na interpretação ordinária da carta, os escoliastas dizem que a figura é a de um jovem alegre, descuidado com um saco cheio de loucuras e ilusões, dançando à beira de um precipício, insciente de que o tigre e o crocodilo mostrados na carta estão na iminência de atacá-lo. É a visão da Igrejinha Protestante. Mas para os iniciados esse crocodilo ajuda a determinar o significado espiritual da carta como retorno ao zero qabalístico original; é o processo da “Hé final” na fórmula mágica de Tetragrammaton. Por um movimento rápido do pulso, ela pode ser transmudada para reaparecer como o Yod original e repetir o processo todo a partir do início.
A fórmula inocência-virilidade é novamente sugerida pela introdução do crocodilo visto ser esta uma das superstições biológicas na qual fundaram sua teogonia — que o crocodilo, como o abutre, contava com um método misterioso de se reproduzir.
Zeus Arrhenothelus
Ao se lidar com Zeus, é-se colocado imediatamente frente esta deliberada confusão do masculino e o feminino. Nas tradições grega e latina acontece a mesma coisa. Dianus e Diana são gêmeos e amantes; tão logo um profere a feminino isto leva à identificação com o masculino, e vice-versa, tendo que ser o caso em vista dos fatos biológicos da natureza. É somente no Zeus Arrhenothelus que se obtém a verdadeira natureza hermafrodita do símbolo sob forma unificada. Este é um fato de grande monta, especialmente para o presente propósito, porque imagens desse deus aparecem e reaparecem na alquimia. É quase impossível descrever isto claramente; a idéia diz respeito a uma faculdade da mente que está “acima do Abismo”, mas todas as águias bicéfalas com símbolos aglomerando-se em torno delas constituem indicações dessa idéia. O sentido último parece ser o de que o deus original é tanto macho quanto fêmea, o que é, está claro, a doutrina essencial da Qabalah; e a coisa mais difícil de entender a respeito da tradição posterior adulterada do Velho Testamento * é que ele representa o Tetragrammaton como masculino a despeito dos dois componentes femininos. Zeus se tornou demasiado popular e, conseqüentemente, demasiadas lendas se agruparam em torno dele, mas o fato importante relativamente ao propósito em pauta é que Zeus era de maneira peculiar o Senhor do Ar. ** Homens que buscaram a origem da natureza nos tempos mais primitivos tentaram descobrir essa origem em um dos elementos ( a história da filosofia descreve a controvérsia entre Anaximandro e Zenócrates, depois Empédocles). Pode ser que os autores originais do Tarô estivessem tentando promulgar a doutrina segundo a qual a origem de tudo era o ar. Entretanto, se assim fosse, transtornaria todo o Tarô tal como nós o conhecemos, já que a ordem de origem faz do fogo o primeiro pai. É o ar como zero que reconcilia a antinomia.
* Era um necessidade tribal dos nômades selvagens ter um demiurgo incivilizado e simples como deus; as complexidades e refinamentos das nações estabelecidas eram para eles mera debilidade. Observe-se que no momento em que eles conseguiram uma Terra Prometida e um Templo, sob Salomão, ele andou “se prostituindo atrás de mulheres estranhas” e deuses. Isto enfureceu os profetas de linha dura, levando em poucos anos à ruptura entre Judá e Israel, e desde então a toda uma seqüência de desastres.
** Os relatos mais primitivos relacionam a distribuição dos três elementos ativos fazendo corresponder Dis (Plutão) ao fogo, Zeus (Júpiter) ao ar e Poseidon (Netuno) à água.
Dianus e Diana, é verdade, eram símbolos do ar e os Vedas em sânscrito afirmam que os deuses da tempestade eram os deuses originais. Contudo, se os deuses da tempestade realmente presidiram a formação do universo como nós o conhecemos, eles eram certamente tempestades de fogo, com o que os astrônomos concordam. Mas esta teoria seguramente implica numa identificação do ar e o fogo, e parece como se eles fossem pensados como anteriores à luz, ou seja, ao Sol; anteriores à energia criativa, isto é, o falo, e esta idéia continuamente sugere, ela mesma, que existe aqui alguma doutrina contrária à nossa própria doutrina mais razoável: aquela na qual a confusão original dos elementos, o Tohu-Bohu, deve ser proposta como a causa da ordem, em lugar de como uma massa plástica na qual a ordem impõe a si mesma.
Nenhum sistema verdadeiramente qabalístico faz do ar no sentido convencional o elemento original, embora Akasha seja o ovo do espírito, o ovo negro ou azul escuro. Isto sugere uma forma de Harpócrates. Neste caso, por “ar ” entende-se realmente “espírito”. E embora assim possa ser, o símbolo real é perfeitamente claro e deveria ser aplicado ao seu devido lugar.
Dionísio Zagreus. Baco Diphues.
Convém tratar os dois deuses como um. Zagreus só tem importância com referência ao presente propósito porque possui chifres e porque (nos Mistérios de Elêusis) se dizia que ele foi despedaçado pelos titãs. Mas Atena salvou seu coração e o levou a seu pai, Zeus. Sua mãe era Deméter, sendo ele assim o fruto do casamento do Céu e da Terra, o que o identifica como a Vau do Tetragrammaton, mas as lendas de sua “morte” se referem à iniciação, o que está de acordo com a doutrina do Devorador.
Nesta carta, entretanto, a forma tradicional é muito mais claramente expressiva de Baco Diphues, que representa uma forma mais superficial de veneração; o êxtase característico do deus é mais mágico do que místico. Este último requer o nome Iacchus, enquanto que Baco teve Sêmele por mãe, a qual foi visitada por Zeus sob a forma de um relâmpago que a destruiu. Mas ela já tinha sido engravidada por ele e Zeus salvou a criança. Até a puberdade, ele foi escondido na “coxa” (isto é, no falo) de Zeus. Hera, a título de vingança contra a infidelidade do marido com Sêmele, enlouqueceu o menino. Aqui reside a conexão direta com a carta.
A lenda de Baco diz, antes de mais nada, que ele era Diphues, de dupla natureza, o que parece significar mais bissexual do que hermafrodita. A loucura dele é também uma fase de sua intoxicação, pois ele é preeminentemente o deus da vinha. Ele dança através da Ásia, circundado por vários companheiros, totalmente insano com entusiasmo; eles portam cajados encimados por pinhas e entrelaçados de hera; eles também percutem pratos e em algumas lendas estão munidos de Espadas, ou envolvidos por serpentes. Todos os semi-deuses da floresta são os companheiros masculinos das bacantes. Em suas ilustrações seu rosto ébrio e o estado lânguido de seu lingam o vinculam à lenda já mencionada sobre o crocodilo. Seu assistente constante é o tigre, e em todos os melhores exemplos existentes da carta, o tigre ou pantera é representado saltando sobre ele por trás, enquanto que o crocodilo está pronto para devorá-lo pela frente. Na lenda de sua jornada através da Ásia, dizia-se que ele montara um asno, o que o liga a Príapo, que, dizem, tinha sido seu filho com Afrodite. Isto também lembra da entrada triunfal em Jerusalém no Domingo de Palma. É curioso, ainda, que segundo a fábula do nascimento de Jesus, a Virgem-Mãe é representada estando entre um boi e um asno e lembramos que a letra Aleph significa boi.
No culto de Baco havia um representante do deus, o qual era escolhido por sua qualidade de homem jovem e viril, mas efeminado. No desenrolar dos séculos, o culto naturalmente degradou-se. Outras idéias se somaram à forma original, e em parte devido ao caráter orgíaco do ritual, a idéia do Louco assumiu forma definida. Daí, ele passou a ser representado com um chapéu de Bobo, evidentemente fálico e trajado de bufão, o que novamente lembra a capa multicolorida envergada por Jesus e por José. Este simbolismo não é apenas mercurial, mas também zodiacal. José e Jesus, com doze irmãos, ou doze discípulos, igualmente representam o sol no meio dos doze signos. Foi só muito posteriormente que alguma significação alquímica foi atribuída a isso, e isto numa época na qual os sábios da Renascença conseguiram marcar algum ponto descobrindo alguma coisa séria e importante em símbolos que eram, na realidade, completamente frívolos.
Baphomet
É indubitável que esta misteriosa figura é uma imagem mágica dessa mesma idéia, desenvolvida em muitos símbolos. Sua correspondência pictórica é mais facilmente percebida nas figuras do Zeus Arrhenothelus e Babalon, e nas representações extraordinariamente obscenas da Virgem-Mãe encontradas entre os restos da iconologia cristã primitiva. Este assunto é tratado com certos detalhes em Payne Knight, onde a origem do símbolo e o significado do nome são investigados. Von Hammer-Purgstall estava seguramente certo ao supor Baphomet uma forma do deus-touro, ou melhor, o deus matador de Discos, Mithras, pois Baphomet deveria ser escrito com um “r“ no final, sendo assim claramente uma corruptela que significa Pai Mithras. Há aqui também uma conexão com o asno, pois foi como um deus de cabeça de asno que se tornou um objeto de veneração por parte dos Templários.
Os cristãos primitivos também foram acusados de venerar um asno ou deus de cabeça de asno, e isto, mais uma vez, está relacionado ao asno selvagem do deserto, o deus Set, identificado com Saturno e Satã (ver Atu XV). Ele é o sul, como Nuit é o norte: os egípcios possuíam um deserto e um oceano nesses quadrantes.
Resumo
Pareceu conveniente abordar separadamente tais formas principais da idéia do Louco, mas nenhuma tentativa foi feita, ou deveria ser feita, no sentido de impedir a justaposição e fusão das lendas. As variações da expressão, mesmo quando contraditórias na aparência, devem conduzir a uma apreensão intuitiva do símbolo por meio de uma sublimação e transcendência do intelectual. Todos estes símbolos dos trunfos em última análise existem numa região além da razão e acima dela. O estudo destas cartas tem como objetivo mais importante o treinamento da mente de modo a pensar com clareza e coerência dessa maneira exaltada.
Isto sempre foi característico dos métodos de iniciação tais como entendidos pelos hierofantes.
No período confuso, dogmático do materialismo vitoriano, foi necessário à ciência desacreditar todas as tentativas de transcender o modo racionalista de abordagem da realidade; e, não obstante, foi o progresso da própria ciência que reintegrou esses diferenciais. A partir do próprio começo deste século, a ciência prática do mecânico e do engenheiro foi constrangida mais e mais a descobrir sua justificativa teórica na física matemática.
A matemática tem sido sempre a mais severa, abstrata e lógica das ciências. Contudo, mesmo na matemática relativamente precoce do garoto de escola, o conhecimento tem que ser extraído do irreal e do irracional. Os números irracionais e as séries infinitas são as próprias formas radicais do pensamento matemático avançado. A apoteose da física matemática é agora a admissão do malogro em descobrir a realidade em qualquer idéia inteligível isolada. A moderna resposta à questão O que é alguma coisa ? é que é relativamente a uma cadeia de dez idéias, qualquer uma delas que possa ser interpretada em termos das restantes. Os gnósticos teriam sem dúvida chamado isso de “uma cadeia de dez aeons”. Essas dez idéias não devem de modo algum ser consideradas como aspectos de alguma realidade ao fundo. Da mesma maneira que a suposta linha reta que era a estrutura do cálculo se mostrou ser uma curva, o ponto que fora sempre tomado como o tipo de existência tornou-se o anel.
É impossível duvidar que ocorre aqui uma aproximação continuamente mais estreita da ciência profana do mundo exterior da sabedoria sagrada do iniciado.
- — -
O desenho da carta em questão resume as principais idéias do que foi exposto anteriormente. O Louco pertence ao ouro do ar. Possui os chifres de Dionísio Zagreus e entre eles se acha o cone fálico de luz branca representando a influência proveniente da Coroa * atuando sobre ele. Ele é mostrado contra o fundo do ar, rompendo como aurora do espaço e sua atitude é daquele que explode inesperadamente sobre o mundo.
* Kether: ver a posição do Caminho de Aleph na Árvore da Vida.
Está trajado de verde, conforme a tradição da primavera, mas seus calçados têm o ouro fálico do sol.
Em sua mão direita ele segura o bastão, encimado por uma pirâmide de branco, do Todo Pai. Na mão esquerda ele segura a pinha flamejante, de significado similar, porém indicando mais decididamente o crescimento vegetal; e de seu ombro esquerdo pende um cacho de uvas cor de púrpura. Uvas representam fertilidade, doçura e a base do êxtase. Este êxtase é mostrado pelo pedúnculo do cacho desdobrando-se em espirais dos matizes do arco-íris. A forma do universo. Isto sugere o Tríplice Véu do Negativo manifestando pela intervenção dele em luz dividida. Sobre esse verticilo existem outras atribuições da divindade: o abutre de Maut, a pomba de Vênus (Ísis ou Maria) e a hera sagrada para os seus devotos. Estão presentes também a borboleta de ar multicolorido e o globo alado com suas serpentes gêmeas, símbolo que tem eco e é fortalecido pelos infantes gêmeos que se abraçam na espiral mediana. Acima destes está suspensa a bênção das três flores em uma. O tigre faz festas para ele e sob seus pés no Nilo com suas hastes do lótus rasteja o crocodilo. Resumindo todas as suas muitas formas e muitas imagens multicoloridas no centro da figura, o foco do microcosmo é o sol radiante. A figura toda é um glifo da luz criativa.